domingo, 29 de novembro de 2009

25. Novembro. 2009 (continuação)

(Continuação)

Já era tarde quando me decidi a cruzar os lençóis e numa mera lembrança, recordei-me do dizer da Uta. Incrédula de mim mesma e da minha crença naquelas palavras, verifiquei atrás da mesinha de cabeceira, como me tinha pedido.
Uma folha enrolada, ali se encontrava. Por momentos tive medo de cruzar o seu conteúdo, mas a curiosidade era tanta que num gesto inconsciente alcancei a folha e desenrolei-a a fim de ver o seu conteúdo.
Era eu... Era eu naquela folha. Uma imagem de mim a carvão. Aquela jovem artista não parava de me surpreender... Era uma pena que não investisse mais nos seus dotes, pensava para mim. Mas que quereria mostrar-me com aquilo?
Quanto mais pensava, mais me assustava. Após reparar e adorar a perfeição e delicadeza de cada traço, pousei o retrato sobre a mesinha de cabeceira e deitei-me. Havia algo debaixo da almofada. Um bocado de cartão rasgado um tanto queimado e com restos de cinza:

Posso parecer inconsciente,
ou tu mesma sejas inconsciente de mim...
Levar horas a pronunciar uma palavra,
mesmo sabendo que todo o esforço não terá recepção...
Posso ser um erro aqui e ali;
Ter uma infinidade de defeitos na minha complicação...
Mas não te peço desejo,
muito menos amor...
Só quero em ti, um pouco de mim,
Como tenho em mim tudo o que há em ti.

-- Uta --


Senti-me deveras assustada. Queria gostar de tudo aquilo, e a verdade é que gostava. Mas haveriam segundas intenções? Haveria um sentimento para comigo impossível se ser correspondido?

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

25. Novembro. 2009

Tenho andado um pouco atarefada... São trabalhos para realizar, projectos para desenvolver e um grupo que em nada ajuda!

Visto que as meninas do meu grupo, excepto a Uta, não puseram novamente os pés no lugar combinado para a realização do trabalho de geometria, resolvi pôr mãos à obra com a Uta e darmos apenas nós conta do trabalho. Nem eu sabia no que me estava a meter!
A Uta apareceu em minha casa às 16h como combinei posteriormente com a mesma, visto que o ambiente da escola estava tão pesado que pouco ou nada ajudava.
Apresentava comportamentos estranhos, dizia coisas sem nexo e tinha as pupilas completamente dilatadas. Nunca a tinha visto tão alterada e fora da sua sobriedade. Tentei acalmá-la e acalmar-me a mim ao mesmo tempo, mas de nada servia o meu esforço. Começámos a fazer o trabalho, mas todos os seus traços eram demasiado livres para poderem ser apresentados à perfeccionista da Jenny. E a cada traço, um disparate saía boca fora.
Estava a levar-me completamente aos limites, até que os ultrapassou...:

'UTA! PÁRA! OLHA... NÃO ESTÁS EM CONDIÇÕES DE FAZER O QUE QUER QUE SEJA!!! SENTA-TE ALI E DEIXA QUE EU FAÇO! JÁ QUE NEM CONTIGO POSSO CONTAR!!!'
Olhou-me com um certo ódio nos olhos e murmurando algo incompreensível lá se sentou com um bloco e grafite na mão.

Em sossego, mas com os nervos à flor da pele, lá acabei por fazer o trabalho para geometria um pouco às três pancadas, o que nem resultou mal no seu todo...
'Uta... Queres vir ver?'
'Não...'
'Anda lá... Podes sempre dar-me a tua opinião...'
Um pouco contrariada lá acabou por dar uma espreitadela ao trabalho.
'Não gosto! Quer dizer... Para um trabalho de geometria está bom... mas, pessoalmente não gosto de geometria. Já reparaste que a geometria tenta comandar os nossos traços?'
'Mais ou menos...' respondi sem me apetecer pensar.
'Vou andando... Hoje não correu muito bem...'
'Não correu mesmo...'
'Sha...?'
Aquele modo de me tratar assombrou-me. Só a Alice me costumava tratar assim... 'Diz?...' respondi atarantada.
'Logo à noite, antes de ires dormir, procura atrás da mesinha de cabeceira...'
'O quê? Já estás a falar outra vez sem nexo?'
'Não... Podes crer que nunca falei tão a sério... Faz o que te peço... Por favor...'
'Está bem...' respondi ainda sem acreditar.

(continua...)

domingo, 22 de novembro de 2009

21. Novembro. 2009

Passei a noite em branco. Uma confusão desmedida anda a invadir-me sem que eu perceba do que se trata, de onde vem e o que me quer transmitir com tamanho abuso.

Acordei cedo mas acabei por me deixar ficar entre os lençóis na esperança que o tempo corresse. Mas a presença da almofada conduz-me indispensavelmente ao campo da reflexão, possuindo-me de tal modo que poucas são as palavras a apresentar para tal acontecimento. Cheguei a sentir que tudo se tinha tornado demasiado monótono na minha vida. Há falta de uma certa adrenalina, risco, paixão, descontrolo...

Após o almoço, resolvi telefonar à Alice para combinarmos qualquer coisa. Pareceu-me cansada, um tanto revoltada e quase me recusou.
'Hummm... e onde queres ir?' perguntou.
'Não sei. Hoje és tu quem escolhe...'
'Sha, não me apetece sair.'
'Oh! Não digas disparates!!! Tens que arejar!! Não te faz bem ficares aí os dias inteiros metida!'
'Mas nem sei o que sugerir...'
'Ermmmm... Já sei! Ouvi na escola que está no museu uma exposição de arte contemporânea muito rica!'
'A sério? Ok! Então vamos...'
Assim foi. A exposição estava óptima e acabou por nos enriquecer às duas visto que ambas estudamos um recanto do mundo das artes.

Enquanto lanchávamos no café de sempre, a Al sugeriu que eu fosse até sua casa.
'Talvez não seja boa ideia... Os teus pais não gostam muito de mim, Al...'
'Hoje só vou estar eu em casa. Além disso ainda nem fiz o jantar... Podíamos inventar qualquer coisa! Que me dizes?'
'Parece-me óptimo!'

À tardinha, fomos para casa da Al, como combinado. Ajudei-a como prometido, apesar de não ter feito grande serviço, dado que a cozinha não é verdadeiramente o meu forte. Para compensar tal má forma, esmerei-me a pôr a mesa!
Jantámos em paz e sossego o prato maravilhoso que a Al tinha preparado. Arrumámos tudo e assim que nos sentámos no sofá, a Al apoderou-se de mim de uma forma tão descontrolada ao ponto de me levar a atingir um certo estado de excitação que já há algum tempo não sentia a seu lado.
'Parece-me que alguém está a fazer progressos!' provoquei-a.
Não respondeu. Levantou o seu corpo leve de cima de mim e puxou-me pelas golas do casaco. Por entre toques de lábios, fez-me movimentar à retaguarda até chegarmos ao seu quarto e levando-me de encontro a umas tantas paredes pelo caminho.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

20. Novembro. 2009

Foi dia de novidades bombásticas. A directora de turma anunciou que uma aluna pediu transferência para a nossa escola e iria ingressar na nossa turma.
Já passavam uns largos minutos da hora do toque, quando bateram à porta. Era a nova aluna. Todos se viraram para observar aquela chegada.
A maçaneta rodou, a porta entreabriu-se, e dentro de segundos, por ela passava a Uta com o seu ar deprimido de sempre e a sua indiferença para com o mundo no olhar vazio.

'Presumo que sejas a nova aluna!' exclamou a directora de turma empolgada.
'Parece que sim...' respondeu a Uta no seu tom frio de menina revoltada.
'Senta-te! Esta será a tua nova turma! E, turma, esta é a Uta! Espero que se apõem mutuamente e colaborem uns com os outros.'

A Uta acabou por se render e sentar-se à minha beira onde ninguém se voltou a sentar desde que corriam certos rumores pelo liceu.

No fim das aulas, fiquei no liceu. Como combinado, esperava as minhas colegas de grupo para realizarmos um determinado trabalho. Contudo, como já era de esperar, acabaram por não aparecer. A Uta, que acabou por se juntar ao grupo, sentia-se confusa e indignada ao ponto de pensar que não tinham aparecido devido à sua entrada para o grupo.
'Não! Nada disso, Uta... O problema não és tu... O problema sou mesmo eu...'
'O que é que tu fizeste?'
'Digamos que correm uns certos rumores sobre as minhas preferências sexuais...'
'O quê? E não apareceram por causa disso???'
'Penso que sim...'
'Ahah! Então estamos tramadas! Comigo a juntar-me ao clube, aí é que nunca mais aparecerão.'
Não respondi... Na verdade estava demasiado incomodada para tentar compreender aqueles jogos de palavras, quando nem sequer sabia se estes provinham do ser sóbrio existente naquela alma... No entanto, acabei por me deixar estar... A Uta não fala muito, acabando por me transmitir paz, calma e tranquilidade, apesar de toda aquela depressão que aparenta carregar...
Encostou a cabeça no meu ombro e disse: 'Quero voltar para casa, Shane...'
'Se quiseres posso acompanhar-te até lá.'
'Não é essa casa...' rematou fraquejando na voz.
'Então, Uta? Onde está toda aquela força, indiferença?... Sabes que não te posso dar essa casa que tanto queres... Mas posso ajudar-te a gostar um pouco mais deste lugar...'
'Duvido...' respondeu amargamente.
'Vamos?'
'Sim... A minha mãe já deve estar a pensar que ando por aí a snifar!'
'Precisamos de ter uma conversa séria sobre isso...'
'TU TAMBÉM? TENHO TUDO CONTROLADO! NÃO PRECISO DE CONVERSETAS DA TRETA!'
'Uta... Calma... Depois vê-se... Agora anda daí! Eu acompanho-te a casa!'
'Não é preciso...'
'Por acaso perguntei-te se era preciso?'
'Estás muito autoritária... Estás a tentar controlar-me?'
'Não... Estou apenas a tentar perceber até onde consegues ir!'
'Oh! Vamos embora! Que o ambiente já começa a pesar!'

terça-feira, 17 de novembro de 2009

17. Novembro. 2009

A Alice continuava sem responder aos meus telefonemas. Já a conhecia, e sabia que às vezes fazia as suas birras, mas desta vez, a situação já estava a ultrapassar os seus limites... Estaria tudo bem? ou Teria acontecido algo?
A preocupação já apertava, pelo que resolvi ir a sua casa. Não sendo fim-de-semana, a Alice deveria estar para o norte, onde estuda de momento. Estava ciente do disparate que seria ir a sua casa, onde provavelmente apenas estariam os seus pais. Mas toda aquela espera inquietava-me e sem reflectir acerca das consequências, toquei à porta daquela casa de onde outrora já tinha sido expulsa.
Dentro de segundos, abriram a porta. Era a mãe da Alice.

Engoli em seco e tentei ser educada: 'Boa tarde...'
'Só agora? Há coisas que não entendo mesmo!... Até já estava aliviada enquanto pensava que finalmente tinhas deixado a Alice viver a sua vida...'
'Desculpe se a desiludi... Mas não venho aqui discutir isso... Queria saber se está tudo bem com a Alice...'
'O QUÊ??? TUDO BEM??? A minha filha quase morria!!! E SE HÁ ALGUÉM CULPADO NO MEIO DISTO TUDO, EU PRÓPRIA SEI QUEM O É!!!'
Fiquei completamente atordoada enquanto um certo sentimento de culpa tratava de me invadir.
'Será que a posso ver?'
'Não devia! Mas sei que na verdade é isso que a Alice quer. Já sabes onde é o quarto dela...'
Agradeci e desesperadamente corri para o quarto. Respirei fundo, tentando acalmar-me, abri a porta, e ali estava ela. Deitada, imóvel, com um ar doentio, apagado e vazio.
'Que se passou, linda?'
'Finalmente lembraste-te!... Estava a ver que só para o ano...'
'Desculpa...' respondi beijando-lhe a testa não deixando margem para apresentar as minhas desculpas. 'Podes contar-me o que se passou?'
'No dia em que saí disparada de tua casa... Aconteceu...'
'Aconteceu o quê?'
'Tu sabes o que acontece quando perco o controlo...'
'Voltas-te a...???'
Peguei-lhe num dos braços e levantei a manga que o cobria. Não queria acreditar no que via... A Alice tinha voltado a cair naquele ciclo vicioso que sempre remetia para o uso da lâmina. Apetecia-me gritar com ela, mas sabia que não era a melhor metodologia...
'Linda... Já superámos isto uma vez... E vamos superar quantas mais vezes forem precisas... Estarei aqui... Sempre estive... Mesmo quando fizeste este disparate...'
'Juntas?'
'Claro... Como da última vez!'

Como nunca, sentia-me culpada por tudo o que acontecera. Era como se a vida da Alice estivesse nas minhas mãos... Um erro, era como que um corte profundo na inocência daquela pele...

domingo, 15 de novembro de 2009

14. Novembro. 2009

Os planos pareciam carregar melancolia, mas na verdade até acabaram por ser, de certo modo, proveitosos.

Tal como combinado, quatro das amigas da minha mãe e os respectivos filhos vieram cá almoçar.

Por entre os presentes, haviam duas estranhas ao meu olhar. Nunca as tinha visto antes mas à primeira vista, percebi que nada tinham em comum: a filha era completamente o oposto da mãe. Enquanto que a mãe era sofisticada, irritantemente sociável e conversadora, a filha preenchia todos os antónimos que se pudessem aplicar à sua mãe.
Assim que chegou, encostou-se a uma das paredes da sala, onde apoiou uma das botas e ali ficou com a sua música, escondendo a face por entre a escuridão dos seus cabelos emaranhados. Pela primeira vez, numa das festas em que a minha mãe tanto exige a minha presença, eu não era a única estranha...
Encontrava-me no outro canto da sala e pouco podia fazer para captar a sua atenção. Aquela atitude intrigava-me e ali permaneci a observá-la. Sabia que, mais tarde ou mais cedo, aquela postura teria que ceder. E assim foi.
Levantou a cabeça e observou o que a rodeava com um ar de desagrado, e assim que fiz parte do seu campo de visão, fitou-me com rancor, ódio, amargura e raiva. Tudo isso me tirou do sério, mas mantive a minha imparcialidade.

Enquanto almoçávamos, todos falavam agitadamente, menos eu e aquela "miúda estranha" que ali não parecíamos pertencer. Assim que acabámos, sentia-me intrigada e sufocada com os olhares arrasadores que me foram enviados, o que me levou a ir apanhar um pouco de ar. Nesses instantes, a "miúda estranha" sumiu.
Procurei-a em todos os recantos susceptíveis a refúgio... E nada!
Apenas quando fui buscar uma camisola ao meu quarto a encontrei. Ali estava. Imóvel, sentada, especada a olhar para uma das paredes.
'Provavelmente este seria o último lugar onde te procuraria...'
'E porque me havias de procurar?' perguntou num tom um tanto arrogante ainda sentada no chão abraçando os próprios joelhos contra o peito.
'Não sei... Diz-me tu... E já agora, posso saber o que fazes aqui?'
'É o teu quarto, não é?'
'É!'
'Logo vi... Reparei que eras a única que estava completamente alheia a tudo durante o almoço... Achei que o teu frete era tão grande quanto o meu. Por isso, achei que compreenderias e me deixarias ficar por aqui...'
'Claro... Fica o tempo que quiseres.'
Como forma de agradecimento, levantou-se retirou um pó branco do seu bolso e dirigiu-se até mim com ele.
'Não, obrigada!'
'Nem sabes o que perdes!'
'Perco o início do meu fim... Sabes, se fosse droga leve, eu ainda compreendia. Mas, isso? Isso é demais, miúda! Não te esqueças que depois pode ser tarde demais... Ainda estás a tempo de mudar o teu rumo... Qual é o teu nome?'
Após acender um cigarro respondeu: 'Uta. Mudei-me para cá há pouco. Estava a precisar de renovar as companhias segundo a minha mãe.'
'Uta, sei que não poderei tomar o lugar dessas companhias, mas se precisares de alguma coisa, já sabes onde moro...'
'Obrigada...'

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

12. Novembro. 2009

Quando a minha mãe pensa muito... Cuidado! Algo de perigoso está para acontecer! E não é que, infelizmente, eu até tinha razão?:

Neste Sábado, haverá uma festa cá em casa, na qual estarão presentes todas as dondocas amigas da minha mãe e os seus respectivos filhos.
Segundo a minha mãe, preciso desesperadamente de conhecer gente decente e construir relações próximas com as mesmas. (Apesar de eu não ter percebido o que é que encara como decência...)

'Gostava que vestisses alguma coisa devidamente apropriada, Shane...'
'Está descansada que eu não vou nua, nem coisa que se pareça!' respondi soltando uma gargalhada.
Nisto, fui interrompida pelo meu irmão que também ria como um parvinho: 'Podias era trazer a tua amiga Alice!'
Suspirei, não respondi e ausentei-me da conversa refugiando-me por entre as únicas quatro paredes daquela casa que na verdade me diziam algo.
Chegou a hora de jantar e eu ainda ali permanecia sem qualquer conclusão viável.

Ao jantar, a minha mãe parecia inquieta:
'Shane, não estás a pensar em convidar a Alice, pois não?'
'Não... Está descansada... Se preferires, nem eu mesma apareço...'
'ISSO É QUE NEM PENSAR! Esta festa é para ti! Quero que conheças alguns dos filhos das minhas amigas!'
'Está bem...'

Após o jantar, tentei mais uma vez, infindavelmente, contactar a Al. Mas nada...
Na verdade... Eu mereço...

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

09. Novembro. 2009

O fim-de-semana demorou, mas passou. O estudo em pouco rendeu devido à culpa que me corroía a cabeça, o coração, a alma... e tudo mais...
Eu tinha sido demasiado dura com a Al. Em pouco respeitei os seus sentimentos e as suas dúvidas, que não eram de todo deslocadas. Ela sempre soubera que havia algo mais, alguém mais; mas sempre compreendera e aceitara os factos sem grandes filmes.

Hoje, após o teste de geometria, a Jenny mandou-me um certo sinal para que esperasse que os meus colegas acabassem para que podéssemos falar.
Por momentos pensei em deixar a sala e fazer de conta que não tinha entendido aquele sinal, mas por outro, não podia perder aquela que poderia ser outra oportunidade.

'Querias falar comigo, Jenny?'
'Shane! Já te disse para não me tratares assim por cá!'
'Professora! Desculpe!'
'Não sei muito bem por onde começar, anjo...'
'Talvez também não me devas tratar assim, digo eu...' disse insolentemente.
A fúria do seu olhar invadiu o meu enquanto um sentimento sem sentido de possível compreensão pairava no ar.
'Jenny... Não te quero estragar a vida... Sei que o que aconteceu entre nós foi um erro. Mas os erros acontecem... Todos nós erramos.'
'Nada aconteceu, percebeste?' disse contendo as lágrimas que teimavam em fugir.
'Sim... Percebi... Só queria que ouvisses que ninguém vai saber.'
'Era isso que precisava de ouvir...'
'Bem... então é melhor eu ir andando...' afirmei na tentativa de fuga a tudo o que me ía na alma.
'Sim... é melhor!'

Enquanto atravessava a porta a Jenny não resistiu em perguntar: 'Shane, existe alguma coisa entre ti e a Alice?'
'Não penso que isso seja da sua conta. E já agora, de onde conhece a Al?' disse tentando manter a distância.
'Foi minha aluna há dois anos. Desculpa... Não me queria intrometer em nada. Só ouvi uns comentários pouco viáveis na sala dos professores.'
'Até amanhã, professora!'

Duas imagens colidiam em mim. Jenny, Alice...; Alice, Jenny. Estava a entrar em colapso, e eu sabia-o... Corri desesperadamente para casa, deitei-me rodeada do silêncio dos ecos que me perseguiam, e ali fiquei, como tantas outras vezes, até que a dor amainasse...

domingo, 8 de novembro de 2009

06. Novembro. 2009

Sexta-feira. Dia de manhã livre...

Passava cerca de meia hora das 7 e já tudo andava numa azafama deslumbrante enquanto se aprontavam para o novo dia.
Não me apetecia encarar ninguém, pelo que me deixei ficar na cama até todos deixarem a casa.
O meu irmão, 2 anos mais novo, entrou de rompante pelo meu quarto a perguntar freneticamente onde é que eu tinha andado no dia anterior.

'Joe, acho que não tenho que te dar explicações...'
'Está bem! Só estava curioso! Também não quero saber. És esquisita, sabias?'
'Depende da definição...'

Cerca de um minuto de silêncio invadiu o quarto enquanto o Joe olhava encantado para um CD que eu tinha comprado recentemente.

'Olha... Na realidade vim aqui para te perguntar se me emprestas a tua pulseira?'
'Qual?'
'Aquela que a mãe te deu há pouco...'
'Para quê?'
'Gosto dela! Tive uma certa inveja quando a recebeste...'
'Podes ficar com ela, Joe... Não tem grande significado para mim...'
'UI!!! Passaste-te? Não gostas da pulseira???'
'Gosto... Mas... é só uma pulseira... who cares???'

'Estás bem?'
'Sim.'
'Pudera!!! Eu também estaria!!!' disse com um sorriso malandro.
'Hein? Perdi-me!!! O que queres dizer com isso?'
'Referia-me à Alice...'
'Estás parvo???? Põe-te a andar e leva a pulseira antes que eu mude de ideias.'
'Ok... Desculpa... Mas a Al...'
'CALA-TE! NEM QUERO OUVIR MAIS NADA!!!'

*

Durante a manhã, enquanto me aprontava, ouvi alguém bater à porta... 'Quem será agora?' pensei.
Com o cabelo molhado e ainda despenteado, percorri o corredor até à porta e abri. Era a Al. Fiquei espantada. A Al nunca me tinha procurado tão cedo. 'Algo de errado se passa!!!' pensei.
Deu-me um beijo de bom dia e entrou.
'O que se passa? O que te traz cá tão cedo?' questionei-a preocupada.
'Ontem senti que havia algo mais para me contares do que aquilo que eu já sabia e não quis ouvir... Fiquei preocupada e resolvi passar por cá...'
'Deixa lá, Al. Não é nada...'
Colocando a mão sobre a minha insistiu comigo. Levantei-me, e sem a olhar contei-lhe sobre o psicólogo.
'Queres ir dar uma volta para espairecer?' perguntou a Alice.
'Gostava, linda... Mas tenho que estudar. Tenho teste de geometria para a semana e não tenho estudado nadinha...'
'Claro!!! Não podes desiludir a tua Jennizinha querida!!!'
'Nem me vou dar ao trabalho de responder a isso...'
'Eu até gostava que fosse mentira... Mas, INFELIZMENTE, é a mais pura das verdades...'
'Se os ciúmes matassem, tinhas acabado de morrer à minha frente!'

Olhou-me frustrada e desiludida, deu meia volta e saiu a correr.

*

Após as aulas, cruzei-me com a Jenny, que me tentou abordar. Disse-lhe estar com pressa e pus-me a caminho da clínica, onde iria conhecer o tal psicólogo.
Psicólogo, pensava eu... Quando para minha grande surpresa, passou a ser uma psicóloga! Assim, a coisa já podia ser vista de outra maneira...
Logo que entrei no consultório, cumprimentou-me simpaticamente e disse ter estado a falar com os meus pais.
Tentou persuadir-me a falar, mas eu estava decidida. Nem aqueles olhos lindos me iam enganar.
Sentada, fiquei a ouvir as suas perguntas que na realidade a nada conduziam.
'Shane. Eu sei que é difícil... Mas, da próxima vez, gostava que colaborasses.'
'Não é nada pessoal... Mas.. Eu não estou doente! Não preciso de estar aqui.' disse calmamente.
'Eu sei.'

Saí do consultório com aquela resposta a soar estridentemente na minha cabeça. O que queria ela dizer? No meio disto tudo, nem sequer reparei no seu nome...

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

05. Novembro. 2009 (continuação)

Chegámos a casa da Al, que me confortou dizendo que estávamos a sós... As palavras eram escassas; havia tanto para explicar, e tão poucos caminhos para o fazer...
Por entre monólogos inúteis tentei dar início a uma conversa, que na realidade acabou por não se iniciar...

'Al, temos que falar...'
'Não pode ficar para outro dia? Não me apetece pensar muito nisso agora...'
'Nisso? Nisso o quê? Ainda nem sequer começamos...'
'Sha... Eu conheço-te... Já sei o que aí vem...'

Conformei-me com a resposta, e acabei por me redimir ao conforto que o quarto da Al me proporcionava... Na verdade, a mim também não me apetecia falar e muito menos pensar sobre o que quer que fosse...
A conversa foi adiada, e quem sabe? talvez nunca mais será lembrada...

Desenrolou-se tudo tão vertiginosamente que nem me apercebi que os ponteiros ainda me controlavam. Assim que acordei para a realidade, eram já 22h. Que desculpa iria inventar para os meus pais?

'ALLL!!! Já viste as horas?'
'Descansa... Ainda são para aí sete horas...'
'SÃO DEZ HORAS, AL!!! COMO É QUE VOU EXPLICAR AOS MEUS PAIS QUE NEM SEQUER APARECI PARA JANTAR???' - disse histericamente levantando-me.

Toda eu tremia. O que iria eu fazer?

'Calma! Acalma-te!!! O mundo não acaba por chegares umas horitas atrasada! Se quiseres posso ir falar com os teus pais...'
'O QUÊ??? ESTÁS LOUCA??? NESTE MOMENTO OS MEUS PAIS NÃO TE PODEM VER NEM PINTADA!!'
'Tens razão... É má ideia... Vem cá...'

Entrelaçamos os corações e entre enganos perdidos despedimo-nos.

'Tinha saudades tuas, Sha... A viagem de curso foi dolorosa com a distância que nos consumia...'

Engoli em seco e deixei-me levar pela vasta gama de sentimentos que me perfuravam a alma.

*

Cheguei a casa... Tentei entrar sorrateiramente para o meu quarto, mas fui apanhada!

'Amanhã tens consulta no psicólogo, Shane!' - afirmou a minha mãe completamente arrasada.
'Assim seja...'

Avisei a Al que tinha chegado bem e fui deitar-me...

05. Novembro. 2009

A Alice chegou mais cedo do que o costume... Dissera que a Professora tinha faltado, mas cá para mim, ela própria já não aguentava mais a universidade e acabou por arranjar um pretexto para vir mais cedo e me apanhar de surpresa.

A campainha tocou estridentemente e, assim que pus um pé no exterior da sala encontrei-me já intrigada nos braços da Al.

'O que é que estás aqui a fazer?'

'Que foi? Não estás contente por me ver aqui, linda?'

'Claro que estou... Mas, não era suposto estares aqui; só isso...' - desculpei-me meia atrapalhada.

'Vou fingir que nem sequer ouvi isso...' - disse a Al desolada.

'Não queria ser desmancha-prazeres... Sabes muito bem que aprecio o facto de teres aparecido, Al... mas também sabes como as coisas andam complicadas lá por casa. Com os nervos à flor da pele só faço disparates... Sabes muito bem que acabas por ser a primeira a sofrer com o meu mau humor... não por te odiar, bem pelo contrário... acabas por ser a mais próxima e susceptível a desabafos desnecessários... Desculpa...' - expliquei beijando-lhe a face ainda molhada da chuva.

'Os teus pais voltaram a fazer escandalo, querida?'

'Al... Podemos ir para um sítio onde estejamos mais à vontade?' - disse na tentativa de fugir dos olhares que se aglomeravam à nossa volta.

'Sim, claro! Também já me estou a sentir demasiado observada! Esta gentinha não tem emenda...'

'Ou talvez o problema sejamos mesmo nós...'

'Essa história outra vez???' - disse a Al já furiosa.

'Vamos...'

'Não vim a pé, Sha... Trouxe o carro... Podemos ir até minha casa se quiseres.'

Nisto, percorremos os corredores e o pátio do liceu, tentando manter fora do nosso campo de visão todos aqueles olhares que nos matavam de preconceito. Entrámos no carro e deixei que a Al nos levasse ao destino combinado.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

"Psico-profissional"

Parou tudo!

Aquilo que há tanto receava, finalmente desabrochou nas palavras dos supostos adultos detentores da verdade e razão!

Segundo os meus pais, o único modo de eu sair deste "ciclo vicioso", sem me explicarem o que designam como tal, é ser acompanhada por um profissional, visto que os senhores detentores da razão já não suportam mais ter uma filha "que não tem comportamentos dignos de uma menina"...

Não há espaço para aceitação e muito menos para compreensão...

Se é assim que querem... Vamos lá conhecer esse "psico-profissional"!
Até estou para ver que tanto tem para me ensinar!

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

02. Novembro. 2009

A Alice voltou da sua viagem de curso.
A tal deve-se a minha ausência por cá mas também pelo mundo em geral... Acho que entrei em colapso com tanta mudança na própria Al. Está cada vez mais eu, o que não me agrada... O simples facto de passarmos a concordar em tudo, gostarmos das mesmas coisas, tomarmos as mesmas decisões, faz-me uma certa confusão.
A sua própria determinação... Assusta-me...
Este fim-de-semana comprovou-o... Chegou na Sexta e acabou por ficar cá em casa até Domingo sem que os meus pais se apercebessem de qualquer anomalia entre nós; ou se detectaram algo, não o demonstraram.
Foram sempre simpáticos para a Al, por vezes excessivamente até. E este fim de semana foi igual. Logo, não me parece que tenham percebido alguma coisa... Dadas as circunstâncias, não tinham demonstrado tamanha simpatica caso de algo desconfiassem...
Parece-me que a Al está aos poucos a desvanecer do papel de presa que tinha em mim... O meu desabafo físico está a partir... Este fim de semana foi diferente... Por mais que me custe a dizer, o toque era amargo e o tempo não correu como antes... Fases...